domingo, 9 de maio de 2010

Mãe de Gêmeos: Ser Mãe

Que nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros, como a de todo mundo, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das palavras e um afeto além dos gestos - algo que só pode nascer entre nós. Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nenhum milímetro com medo de voltar a ser menino, você, que já é um homem. Que quando eu a olhe, minha filha, você não se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada, como desde o primeiro instante.
Que, quando se lembrarem de sua infância, não se recordem os dias difíceis, o trabalho cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os nervos à flor da pele - aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta. Lembrem-se dos deliciosos momentos em família, das risadas, das histórias na hora de dormir, do bolo que embatumou, mas que vocês, pequenos, comeram dizendo que estava maravilhoso. Que pensando em sua adolescência, não recordem minhas distrações, minhas inperfeições e impropriedades, mas as caminhadas pela praia, o sorvete na esquina, a lição de casa na mesa de jantar, a sensação de aconchego, sentados na sala cada um com sua ocipação.
Que quando precisarem de mim, meus filhos, vocês nunca hesitem em chamar: mãe! Seja para prender um botão de camisa, ficar com uma criança, segurar a mão, tentar fazer baixar a febre, socorrer com qualquer tipo de recurso, ou apenas ouvir alguma quaixa ou preocupação. Não é preciso constrangerem-se de ser filhos querendo mãe, só porque vocês também já estão grisalhos, ou com filhos crescidos, com suas alegrias e dores, como eu tenho e tive as minhas. Que, independendo da hora e do lugar, a gente se sinta bem pensando no outro. Que essa consciência faça expandir-se a vida e o coração, na certeza de que aquela pessoa, seja onde for, vai saber entender; o que não entender vai absorver; e o que não absorver vai enfeitar e tornar bom.
Que quando nos afastarmos seja sem dilaceramento, ainda que com passageira tristeza, porque todos devem seguir seu caminho, mesmo que isso signifique alguma distância: e que todo reencontro seja de grandes abraços e boas risadas. Esse é o tipo de amor que independe de presença e tempo. Que quando estivermos juntos vocês encarem com algum bom humor e muita naturalidade se houver raízes grizalhas no meu cabelo, se eu começar a repetir histórias, e se tantas vezes só de olhar para vocês meus olhos se encherem de lágrimas: serão apenas de alegria porque vocês estão´aí. Que quando pareço mais cansada vocês não tenham receio de que eu precise mais ajuda do que vocês podem me dar: provavelmente não precisarei de mais de mais apoio do que seu carinho, da sua atenção natural e jamais forçada. E, se precisar de mais que isso, não se culpem se por vezes foi difícil, ou trabalhoso ou tedioso, se lhes causar susto ou dor: as coisas são assim. Que, se algum dia eu começar a me confundir, esse eventual efeito de um longo tempo de vida não os assuste: tentem entrar no meu novo mundo, sem drama nem culpa, mesmo quando se impacientarem. Toda a transformação do nascimento à morte é um dom da natureza, e uma forma de crescimento.
Que, em qualquer momento, meus filhos, sendo eu qualquer mãe, de qualquer raça, credo, idade ou instrução, vocês possam perceber em mim, ainda que numa cintilação breve, a inapagável sensação de quando vocês foram colocados pela primeira vez nos meus braços: misto de susto, plenitude e ternura, maior e mais importante do que todas as glórias da arte e da ciência, mais sério do que as tentativas dos filósofos de explicar os enigmas da existência.. A sensação que vinha do seu cheiro, da sua pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada terra. E assim sendo, meus filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei ou mereci ou imaginei ter.
Lya Luft, A Canção de Qualquer Mãe, Revista Veja, 12/5/2010.

Um comentário:

  1. Vanessa, Obrigada por compartilhar este texto. Até eu que não sou mãe me emocionei. Aliás, a Lya Luft é maravilhosa mesmo...Jê.
    http://www.vizinhosdeutero.blogspot.com

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